Tem-se ouvido ultimamente falar muito de decisões marcantes do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), quer contra Portugal quer contra outros países.
O que é o TEDH? Como se apresenta uma queixa? O que pode obter-se? O TEDH é o órgão jurisdicional competente para decidir sobre se um determinado Estado violou as obrigações estabelecidas na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Apenas julga queixas contra Estados que ratificaram a Convenção e não contra pessoas ou empresas.
Os direitos em causa são muito abrangentes e incluem desde o direito à vida, o direito a não sofrer tortura, prisão ou tratamentos desumanos e degradantes (ambos incluem uma dimensão processual que determina que há também no direito a que a existência da violação seja investigada de forma efectiva), o direito à liberdade, o direito ao processo justo e equitativo em matéria civil e penal, o direito à privacidade e protecção de dados, ou o direito a não ser julgado duas vezes pelos mesmos factos, entre outros.
O TEDH está localizado em Estrasburgo, França – mas não é necessário ir lá para apresentar uma queixa: qualquer pessoa pode dirigir-se ao TEDH enviando uma carta, na sua própria língua. Não podemos expor num contributo tão curto todos os detalhes necessários para apresentar uma queixa ao TEDH, mas deixamos aqui algumas indicações essenciais.
O TEDH só decide casos em que o sistema interno mostrou ser insuficiente para por termo à violação, bem como compensar adequadamente a vítima da violação.
Por isso é preciso invocar especificadamente a violação da Convenção logo perante os tribunais nacionais. Não basta invocá-la só perante o TEDH. Convém invocar o artigo relevante da Convenção, mas se tiver sido invocada, em substância, a questão jurídica que se coloca ao TEDH, tal já será suficiente.
Se o sistema nacional tiver mecanismos processuais satisfatórios para julgar a existência de uma violação, temos de primeiro esgotar todos esses meios. Por exemplo, se considera que o seu processo durou demasiado tempo e foi violado o direito constante do art. 6.º, n.º 1, da CEDH, à decisão em prazo razoável, terá de, primeiro, fazer valer esse direito, peticionando a respectiva indemnização, através de uma acção proposta em Portugal nos tribunais administrativos.
No exemplo que demos da violação do direito a não ser julgado duas vezes pelos mesmos factos (ne bis in idem), previsto no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção, a aceitação de uma queixa pelo TEDH já pressuporia que a vítima tivesse tentado, no segundo processo penal (ou contraordenacional) em Portugal, requerer o respectivo arquivamento. Igualmente, se a queixa tiver, por exemplo, como fundamento a utilização de uma prova obtida em violação do direito à não autoincriminação, esta também terá de ser invocada durante o processo penal em Portugal, a fim de obter uma decisão dos tribunais internos sobre a exclusão dessa prova do processo.
Já uma violação do art. 5.º (direito à liberdade), por exemplo decorrente do excesso de da falta de apreciação ou reapreciação judicial da prisão preventiva, pressupõe também que essa questão seja discutida no processo em Portugal através dos mecanismos previstos no CPP (reexame da prisão preventiva pelo JIC ou recurso, por exemplo).
Outros casos haverá em que não é necessário primeiro tentar obter ressarcimento em Portugal – por exemplo, o caso das condições prisionais degradantes ou desumanas, uma vez que não está previsto expressamente na lei um mecanismo para compensar as vítimas de tal violação, poderá em princípio apresentar-se queixa directamente ao TEDH, embora ainda não tenha havido uma decisão do TEDH sobre esta matéria relativamente a Portugal.
Em primeiro lugar, o prazo para apresentar a queixa é, desde 1 de Fevereiro de 2022, de 4 meses após decisão definitiva dos tribunais nacionais sobre a existência da violação (a data relevante é a do carimbo dos correios). Por isso, se está a pensar apresentar queixa, consulte um advogado atempadamente.
A forma de contagem do prazo nem sempre é idêntica, dependendo da violação em causa e da disposição da Convenção que é invocada. Por exemplo: uma violação que tem como fundamento o artigo 6.º, na parte que se refere ao direito ao processo equitativo em matéria penal, poderá ser invocada nos 4 meses seguintes à decisão que puser termo ao processo e que decidiu ou devia ter decidido sobre a violação da CEDH (a data relevante é a da decisão e não do trânsito em julgado). Já uma violação do direito a não ser julgado duas vezes pelos mesmos factos (ne bis in idem), previsto no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção, poderá ser invocada dentro dos 4 meses após cessar o segundo processo, já que só nesse momento é que a pessoa deixou de ser vítima da violação.
Porém, no caso violação do direito a não sofrer tratamentos desumanos ou degradantes decorrentes, por exemplo, de condições de detenção ou prisão que violem os standards da Convenção, esta deverá ser invocada no prazo de 4 meses após a libertação ou a transferência para outra prisão ou local de detenção.
Há muitos outros exemplos.
O TEDH não é um tribunal de recurso e por isso não altera a decisão dos tribunais portugueses. Porém, em alguns casos será possível requerer a alteração da decisão dos tribunais portugueses, se esta contrariar directamente a decisão do TEDH.
Além do mais, o TEDH poderá, se considerar adequado e se o pedido tiver sido deduzido no processo, arbitrar uma indemnização a quem faz a queixa. Esta pode abranger danos patrimoniais, não patrimoniais e ainda as custas do processo e honorários.
É aconselhável ter advogado ou advogada, não só para elaborar a queixa, como também para que este possa acautelar o cumprimento dos prazos e dos requisitos de admissibilidade (em particular o esgotamento dos meios internos). Muitas vezes, a queixa para o TEDH começa a preparar-se ainda durante o processo em Portugal.
Mais, um advogado ou advogada pode avaliar o seu caso para lhe dar uma opinião sobre a viabilidade de uma queixa.
Nesta fase inicial, se não tiver como pagar um advogado ou advogada, pode pedir inclusivamente apoio judiciário no sistema português de acesso ao direito, ou na modalidade de consulta jurídica, ou de interposição de acção.
Porém, para efectuar uma queixa não precisa obrigatoriamente de advogado ou de advogada. Pode fazer a queixa nas várias línguas dos Estados-Parte da CEDH – não se esqueça de utilizar o formulário disponível no site do TEDH e seguir as instruções aí indicadas.
Numa fase posterior, se o processo for comunicado ao Estado português (ou outro responsável pela violação), pelo menos preliminarmente, será obrigatória a constituição de advogado ou advogada. Nessa fase é também obrigatório apresentar todas as peças processuais em inglês ou francês, por isso necessitará de um tradutor, ou de um advogado que tenha o domínio destas línguas.
O TEDH poderá, em alguns casos de comprovada falta de meios económicos, conceder-lhe apoio judiciário para ajudar a pagar os honorários do advogado ou advogada e custas com o processo (não há taxas de justiça, o processo é gratuito, mas se houver uma audiência o TEDH poderá custear a sua viagem e a do seu advogado ou advogada).
Vânia Costa Ramos
Advogada
vaniacostaramos@carlospintodeabreu.com
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