A Procuradoria Europeia é um órgão independente da União Europeia e conta, actualmente, com a aderência de vinte e dois Estados-Membros – Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, República Checa e Roménia. A Polónia entretanto também decidiu aderir.
Foi instituída pelo Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de Outubro de 2017 (doravante abreviadamente designado “Regulamento”, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32017R1939&from=PT) e este entrou em vigor no passado dia 1 de Junho de 2021.
As funções da Procuradoria Europeia são “investigar, instaurar a ação penal e deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores e seus cúmplices nas infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União”. Para o efeito, a Procuradoria Europeia “faz as investigações e pratica os atos próprios da ação penal, exercendo a ação pública perante os órgãos jurisdicionais competentes dos Estados-Membros até que o processo seja arquivado” (cf. artigo 4.º do Regulamento).
Os interesses financeiros da União dizem respeito a todas as receitas, despesas e activos cobertos por, adquiridos através de, ou devidos ao orçamento da União, ou aos orçamentos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União criados nos termos dos Tratados, ou os orçamentos por eles geridos e controlados directa ou indirectamente.
As infracções penais lesivas dos interesses financeiros da União são as que estão previstas na Directiva (UE) 2017/1371 (disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32017L1371&from=pt), designadamente nos artigos 3.º e 4.º – independentemente de a mesma conduta criminosa poder ser classificada como outro tipo de infracção ao abrigo do direito nacional (cf. artigo 22.º do Regulamento).
Artigo 3.º da Directiva (UE) 2017/1371:
No que respeita às infracções referidas no artigo 3.º, n.º 2, alínea d), da Directiva (UE) 2017/1371, tal como transposta para o direito nacional, a Procuradoria Europeia só é competente quando os actos ou omissões intencionais aí definidos estejam relacionados com o território de dois ou mais Estados-Membros e envolvam prejuízos totais de pelo menos 10 milhões de euros.
Artigo 4.º da Directiva (UE) 2017/1371:
A Procuradoria Europeia é igualmente competente em matéria de infracções relativas à participação numa organização ou associação criminosa, tal como vêm definidas na Decisão-Quadro 2008/841/JAI (disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32008F0841&from=PT), tal como transposta para o direito nacional, se a actividade criminosa dessa organização consistir essencialmente em cometer qualquer das infracções referidas no n.º 1 do artigo 22.º do Regulamento.
A Procuradoria Europeia é também competente em matéria de qualquer outra infracção penal desde que esteja indissociavelmente ligada a uma conduta criminosa abrangida pelo âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 22.º do Regulamento.
A competência no que diz respeito a tais infracções penais só pode ser exercida nos termos do artigo 25.º, n.º 3 do Regulamento.
A Procuradoria Europeia não é competente em matéria de infracções penais relacionadas com impostos directos nacionais, inclusive infracções a elas indissociavelmente ligadas.
A Procuradoria Europeia está organizada a nível central e a nível descentralizado (cf. artigo 8.º do Regulamento).
A nível central é constituída pela Procuradoria Central (localizada na sede da Procuradoria Europeia, no Luxemburgo) que é constituída pelo Colégio, as Câmaras Permanentes, o Procurador-Geral Europeu, os Procuradores-Gerais Europeus Adjuntos, os Procuradores Europeus e o Director Administrativo.
A nível descentralizado é constituída pelos Procuradores Europeus Delegados, localizados nos Estados-Membros aderentes.
Em Portugal, a Lei n.º 112/2019, de 10 de Setembro (disponível em https://dre.pt/application/conteudo/124572525), adapta a ordem jurídica interna ao Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de Outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia.
Os Procuradores Europeus Delegados são magistrados do Ministério Público, tal como definidos no respectivo estatuto (artigo 13.º/d, EMP e 18.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2019, de 10/9) e representam a Procuradoria Europeia em todas as instâncias nacionais em que corram termos processos criminais por crimes relativamente aos quais a Procuradoria Europeia exerça a sua competência (artigo 18.º, n.º 2 da Lei n.º 119/2019).
O cargo de Procurador Europeu Delegado é exercido por magistrados do Ministério Público, indicados por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça (cf. artigo 15.º, n.º 1 da Lei n.º 112/2019), competindo ao Conselho Superior do Ministério Público selecionar e indicar dois candidatos por cada Procurador Europeu Delegado para o efeito da sua nomeação por parte do Colégio da Procuradoria Europeia, e conceder autorização para o exercício do cargo (cf. artigo 15.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 112/2019). Os Procuradores Europeus Delegados têm o seu local de trabalho em Lisboa e no Porto (cf. artigo 18.º, n.º 5 da Lei n.º 112/2019) e o seu mandato tem a duração de cinco anos, que pode ser renovado (cf. artigo 18.º, n.º 4 da Lei n.º 112/2019).
Qualquer pessoa singular ou colectiva pode ser investigada pela Procuradoria Europeia desde que esteja em causa um crime da competência da Procuradoria Europeia.
Em princípio, os processos da Procuradoria Europeia são abertos e instruídos por um Procurador Europeu Delegado do Estado-Membro onde está centrada a actividade criminosa ou, caso tenham sido cometidas várias infracções conexas abrangidas pelas competências da Procuradoria Europeia, do Estado-Membro em que foi cometida a maior parte das infracções; sendo, posteriormente, julgados nos tribunais nacionais (cf. artigo 26.º, n.º 4 do Regulamento).
No entanto, poderá haver alteração entre o Estado-Membro que investigou e o que irá julgar.
O Procurador Europeu Delegado competente pela investigação pode ordenar ou pedir a detenção ou a prisão preventiva do suspeito ou do arguido, em conformidade com o direito nacional aplicável em processos nacionais similares.
No caso de ser necessário deter ou entregar uma pessoa que não se encontre no Estado-Membro onde está localizado o Procurador Europeu Delegado competente, este tem a possibilidade de emitir ou solicitar à autoridade competente do referido Estado-Membro que emita um mandado de detenção europeu, nos termos da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho (cf. artigo 33.º do Regulamento).
Pela importância e especificidade desta matéria, é recomendável o contacto e aconselhamento jurídico prestado por Advogado.
Nos casos em que a infracção objecto de investigação seja punível com uma pena privativa de liberdade máxima não inferior a quatro anos, os Estados-Membros asseguram que os Procuradores Europeus Delegados têm o direito de ordenar ou pedir medidas de investigação (cf. artigo 30.º do Regulamento), entre as quais as buscas em quaisquer instalações, terrenos, meios de transporte, casas particulares, vestuário e quaisquer outros bens pessoais ou sistema informático e tomar as medidas cautelares necessárias para preservar a sua integridade ou evitar a perda ou contaminação de meios de prova; e a intercepção de telecomunicações electrónicas, enviadas ou recebidas pelo suspeito ou pelo arguido, em qualquer meio de comunicações electrónicas que o suspeito ou o arguido esteja a utilizar.
Além do mais, os Procuradores Europeus Delegados terão o direito de ordenar e realizar este tipo de diligências em casos em que a conduta é punida com pena menos grave, desde que tal seja permitido pelo direito nacional para o crime em causa.
Importa ressalvar que os Procuradores Europeus Delegados só poderão ordenar estas medidas se existirem motivos razoáveis para considerar que a medida especifica em causa pode fornecer informações ou meios de prova úteis para a investigação e se o mesmo objetivo não puder ser alcançado por meios menos intrusivos (cf. artigo 30.º, n.º 5 do Regulamento).
Pela natureza destas medidas, é recomendável o contacto e aconselhamento jurídico prestado por Advogado.
Entre as medidas de investigação previstas no artigo 30.º do Regulamento (aplicável apenas nos casos em que a infracção objecto de investigação seja punível com uma pena privativa de liberdade máxima não inferior a quatro anos) está também o congelamento de instrumentos ou produtos de crime, incluindo bens, que se preveja venham a ser objecto de declaração de perda pelo órgão jurisdicional da causa, sempre que exista razão para crer que o proprietário, o possuidor ou o controlador desses instrumentos ou produtos procure frustrar a decisão judicial de declaração de perda.
Destacam-se ainda a possibilidade de os Procuradores Europeus Delegados poderem ordenar ou pedir outras medidas de investigação, entre as quais, a apresentação de qualquer objecto ou documento pertinente; a apresentação de dados informáticos conservados, encriptados ou desencriptados, quer no formato original quer noutro formato especificado, incluindo dados de contas bancárias e dados de tráfego (com excepção dos dados especificamente retidos em conformidade com o direito nacional, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, segundo período, da Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho); e ainda a possibilidade de detectar e rastrear um objecto através de meios técnicos, incluindo entregas controladas de bens.
Importa ressalvar que os Procuradores Europeus Delegados só poderão ordenar estas medidas se existirem motivos razoáveis para considerar que a medida especifica em causa pode fornecer informações ou meios de prova úteis para a investigação e se o mesmo objetivo não puder ser alcançado por meios menos intrusivos (cf. artigo 30.º, n.º 5 do Regulamento).
Pela natureza destas medidas, é recomendável o contacto e aconselhamento jurídico prestado por Advogado.
É necessário o apoio jurídico, prestado por Advogado ou por Advogada, em todos os Estados-Membros envolvidos. A Carlos Pinto de Abreu e Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, está preparada para o efeito, tendo alguns dos seus Advogados acompanhado o processo de criação deste órgão há vários anos, escrito sobre o tema, frequentado e leccionado diversos seminários organizados por escolas e entidades nacionais e europeias, como o CEJ (Centro de Estudos Judiciário), a FDL (Faculdade de Direito de Lisboa), a ECBA (Associação Europeia de Advogados Penalistas), a Universidade do Luxemburgo, a ERA (Academy of European Law), entre outras.
Poderá fazê-lo directamente no site da Procuradoria Europeia, através do preenchimento de um formulário previamente preparado (disponível em: https://www.eppo.europa.eu/pt/webform/eppo_report_a_crime/) ou através de um Advogado ou de uma Advogada.
Artigos sobre a Procuradoria Europeia
Cooperação reforçada para a Procuradoria Europeia
Conheça o Regulamento (EU) 2017/1939 do Conselho, de 12 de Outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, e uma breve recensão ao mesmo da autoria do Dr. Carlos Pinto de Abreu.
https://carlospintodeabreu.com/public/files/cooperacao_procuradoria_recensao.pdf
Notas sobre novos desafios da cooperação judiciária internacional em matéria penal
Leia o artigo da autoria da Dra. Vânia Costa Ramos, publicado na Revista de Estudios Europeos, 1-2019 (número especial monográfico), sobre desafios da cooperação internacional em matéria penal de uma perspectiva de obtenção e valoração da prova, e decorrentes de: (i) actuação de novos actores institucionais, em particular a Procuradoria Europeia e o Tribunal de Justiça da União Europeia; (ii) intervenção de actores privados (iii) valoração da prova transfronteiriça.
Portugal aprova lei de execução do Regulamento da Procuradoria Europeia
Leia a nota informativa elaborada pela Dra. Vânia Costa Ramos sobre a aprovação por Portugal da lei de execução do Regulamento da Procuradoria Europeia.
Procuradoria Europeia – os Procuradores Europeus
O Conselho da União Europeia nomeou os Procuradores Europeus, como pode ler e conhecer nestas breves considerações da autoria da Dra. Diana Silva Pereira.
A Procuradoria Europeia e a igualdade de armas entre o Ministério Público e a Defesa
No artigo publicado no New Journal on European Criminal Law, a Dra. Vânia Costa Ramos faz uma reflexão sobre os direitos de defesa nos processos da Procuradoria Europeia. Conclui que o desequilíbrio entre acusação e defesa pode ser abordado de uma forma tripla, i) a curto prazo, cabendo à própria Procuradoria Europeia elevar a fasquia e harmonizar práticas e procedimentos de forma a maximizar o respeito pelo princípio da igualdade de armas, reforçando e harmonizando os direitos de defesa; ii) a médio prazo, cabe ao legislador deve criar um conjunto sólido e harmonizado de garantias processuais que resolva a falha sistémica e a fragmentação da proteção jurídica, incluindo o direito a um controlo judicial e remédios substantivos e processuais efectivos, mas também garantias face a actos intrusivos de recolha de provas, apreensões e detenção; e iii) a longo prazo, estabelecer vias de acesso direto dos arguidos ao Tribunal de Justiça da UE no que diz respeito ao direito da União Europeia nos processos da Procuradoria Europeia.Leia o artigo aqui:
https://doi.org/10.1177/20322844231157078
Direito de recurso dos arguidos nos processos da procuradoria europeia
Pode uma pessoa visada por uma investigação da Procuradoria Europeia interpor recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia? Vânia Costa Ramos e Diana Silva Pereira escrevem sobre o tema numa nota sobre o “Direito de recurso dos arguidos em processos penais nos processos da Procuradoria Europeia: ausência de acesso ao Tribunal de Justiça da União Europeia = ausência de vias de recurso efectivas para as violações do direito da UE”.
Direito de recurso dos arguidos nos processos da procuradoria europeia